E se...


E se...

Sabe aquele comportamento tão comum quanto antipático, de detonar de imediato a ideia ou a atitude de outra pessoa, como um colega de trabalho, um irmão, o filho, a mulher ou o marido? Quem nunca foi vítima, ou algoz, de uma situação assim, em que alguém propõe de boa vontade algo, como uma mudança de um processo na empresa, um programa de final de semana, ou uma reforma na cozinha, e ouviu, de imediato, uma manifestação do tipo “Isso não vai funcionar”, “Que ideia tosca”, “Sem chance”, ou ainda, “Ficou louco?!”? Garanto que você se identificou com essa situação, independentemente de qual lado estava na ocasião.

Provavelmente já esteve nas duas. Já foi o proponente animado e ingênuo, e já foi também o crítico destrutivo e maldoso. É humano… Sim, é humano, mas não é legal, pois tal comportamento tem o poder de corroer a autoestima e inibir a espontaneidade das pessoas. Li em algum lugar e adotei uma nova abordagem diante de uma proposta que não resistia à minha primeira – e talvez prematura –, análise. Em vez de negar de imediato, é melhor propor uma alternativa, talvez tão estranha quanto a proposta, mas com o potencial de abrir o diálogo.

A ideia é trocar qualquer forma verbal de negação pela conjunção alternativa “e se…?”. Isso equivale a trocar um muro colocado abruptamente no meio da estrada de um pensamento por uma ponte que surge sobre o abismo da dúvida, indicando uma nova possível passagem.

Certa vez, inspirado por meu amor pela natureza, depois de ter visitado a casa de campo de um amigo nas cercanias de Amparo (SP), e motivado pela proposta que recebi, acabei comprando um terreno em um condomínio próximo, dentro de uma fazenda. O lugar era um encanto, com uma pegada espiritual, próximo de um lago, um bosque e de uma cachoeira. Feita a transação, tratei de procurar uma arquiteta para já começar o plano de construir uma casa. O primeiro esboço não atendeu bem as expectativas do futuro habitante do campo. O segundo, já com as correções feitas, ficou do jeito que eu queria, uma casa dos sonhos. Até aí tudo bem.

O problema começou quando fizemos o orçamento da obra, e descobrimos que não seria exatamente o preço de um puxadinho. Mesmo assim eu estava disposto a apertar aqui e acolá, financiar uma parte e partir para a construção. Eu não via a hora de adormecer com coaxares de sapos e guizalhas de grilos, e acordar com galos e bem-te-vis anunciando o novo dia, ainda que somente aos finais de semana, que poderiam ser, eventualmente longos. A dream coming true… Foi quando a Lu, minha esposa, me disse com suavidade: “E se, antes de construirmos a casa, alugássemos uma por uma temporada, quem sabe um ano”. Esse e se… provavelmente me economizou muito dinheiro e aborrecimentos próprios de uma obra, principalmente a distância. Alugamos um lindo chalé de madeira, charmoso como ele só, e o usamos por um ano. Foi quando percebemos o trabalho que dá manter uma casa de campo, e descobrimos que além de animais encantadores, como pássaros e borboletas, havia no local escorpiões, e também percevejos, fornecidos pelas capivaras que proliferavam nas cercanias.

Em um ano, fomos à chácara não mais do que meia dúzia de vezes, e, mesmo com a casa nova, também iríamos pouco, pois não somos, definitivamente, seres rurais. O e se… é virtuoso. Não encerra o assunto, não critica a proposta, não se submete, não ofende, não é submisso ou arrogante. Simplesmente abre uma nova perspectiva e, importante, coloca o entusiasmo no patamar da razão. É claro que esse episódio foi marcante, pois a alternativa foi brilhante, e evitou um grande transtorno. Mas o e se… tem aplicação imediata nas pequenas propostas, diante de decisões cotidianas, na rotina diária de todos nós, especialmente nas relações com os mais próximos. Um amigo me contou que a filha, de casamento marcado, com as famílias felizes e o noivo entusiasmado, estava desistindo, triste, da festa com jantar, que seguiria a cerimônia, pela falta de consenso sobre o local e o cardápio entre as duas sogras, além do preço astronômico. Até que seu irmão menor, talvez pensando em churrasco e cerveja, candidamente perguntou: “E se a cerimônia fosse feita de manhã, e o jantar fosse trocado por um almoço?”. Essa pergunta simples mudou tudo. O horário no cartório felizmente pôde ser trocado, os convites foram alterados, todos os familiares gostaram da ideia, as crianças se alegraram porque poderiam ir, os avós, porque estariam mais dispostos, e, importante, a noiva se acalmou.

O e se… salva casamentos. E preserva amizades. E fortalece relações de trabalho. Atualmente, nas empresas, são valorizadas as pessoas que trazem ideias, pois elas são a matéria-prima da inovação, fundamental à competitividade no mercado. Espera-se que os funcionários questionem o status quo, que apresentem sugestões de mudanças no produto, na gestão, na propaganda e até no modelo de negócio. Mas isso, claro está, se o ambiente permitir que as sugestões sejam feitas sem medo, o que certamente não acontecerá se o chefe, ou os colegas, criticarem ou ridicularizarem quaisquer propostas. O e se…, neste caso, pode salvar empresas.

E se fizermos uma bolha de vidro com vácuo no interior? E se primeiro fizermos o design do aparelho e só depois o mandássemos para a engenharia? E se fizéssemos um avião no Brasil? E se vendêssemos sapatos pela internet? Perguntas como essas deram vida às lâmpadas, aos smartphones, à indústria aeroespacial brasileira, ao comércio eletrônico.

Coisas que hoje fazem parte de nossa vida e que eram impensáveis até alguém lançar o necessário e definitivo e se… Por mais estranha, inoportuna ou inadequada que seja a proposta, sempre merece um educado e amigo e se…, em contraposição a uma humilhante negativa enfática. O e se… tem ainda o condão de fazer aparecer o caminho do meio, antes despercebido. Quando queremos muito algo, temos a forte tendência de achar que é aquilo ou não é nada, e não percebemos, no primeiro momento, que há vida entre os extremos, e ela é, definitivamente, melhor. Buda teria adorado o e se…



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