Porque a ineficiência crônica da América Latina é uma fossa competitiva.


Porque a ineficiência crônica da América Latina é uma fossa competitiva.

Após 45 minutos ao telefone, sem paciência alguma de continuar a conversa com um agente de viagens, estou frustrado com a tentativa de descobrir as diferentes alternativas para um voo internacional rumo às Maldivas, com parada em Paris na volta. Em segundos, sou compelido ao meu celular, onde Skyscanner ou Kayak vão me ajudar na tarefa inglória.

Cansado e com fome, descubro que a geladeira está vazia. Sorte que os imãs da porta me dão uma boa pista das minhas opções. Ligo num árabe. Primeiro ocupado. Depois toca incessantemente. Na terceira me atendem: “Um minuto, por favor!”.  Na volta um decorado: “Boa noite! Como posso ajudá-lo?”. Não é surreal eu ter que falar, TODA VEZ QUE LIGO NUM DELIVERY, a frase: “Oi, eu gostaria de fazer um pedido”? É óbvio que vou fazer isso!

Aí me pedem o número do telefone. Sim, o mesmo que está no identificador de chamadas. E sim, novamente meu cadastro não é encontrado. Depois de mais uns dois minutos, se descobre que o problema na verdade é o dígito 9, porque os dados não foram atualizados.

Estamos finalmente prontos para começar e eu agora posso escolher dois caminhos. O primeiro é pedir pratos que eu consiga lembrar que existem no restaurante e descobrir quanto a brincadeira vai custar no final. Outra alternativa é simplesmente começar uma epopeia sem precedentes, perguntando por opções e preços para a Judite, que me atende, cansada também, do outro lado da linha.

A verdade é que a América Latina é extremamente ineficiente. Compare o trabalho de encontrar e reservar um hotel por telefone nos Estados Unidos e no Brasil. Ou então contratar um chaveiro. Que tal enviar flores?

Existem inúmeras tarefas cotidianas que podem ser resolvidas com extrema facilidade no EUA, mas que são um martírio por aqui ou qualquer outro país da América Latina. A falta de treinamento, padronização e processo criam uma ineficiência no setor de serviços que vai empurrar o consumidor para as opções mobile de aplicativos que prestam serviços cotidianos de forma padronizada e com excelência, o chamado O2O (online to offline). Em muitos casos, o ganho ao utilizar tecnologia para resolver essas ineficiências é marginal nos Estados Unidos. Já para Latam é brutal.

Se meu restaurante árabe preferido estivesse nos EUA, ao ser atendido, meu número de chamada já seria reconhecido. Eu seria identificado pelo nome e já me perguntariam se eu gostaria de repetir o pedido feito da última vez. Em 30 segundos eu finalizaria o processo e a necessidade de um serviço como iFood se tornaria um ganho marginal. Já no Brasil, essa necessidade é brutal, quase mandatória.

Tente fazer um seguro auto com um corretor por telefone. Por aqui, o tempo gasto é muito maior. A falta de visibilidade das opções é gigantesca. O número de dados e documentos necessários é muito superior. E depois de toda essa dor de cabeça, as chances de você receber apenas uma cotação são grandes e, provavelmente, da seguradora que mais atenda as vontades do corretor. Agora compare com uma experiência digital, 100% eficiente e transparente!

Ou seja, a única coisa que os negócios off-line do Brasil fazem quando você tem que usá-los é deixar clara a necessidade de que alguém com outra cabeça venha para substituí-los.

Isso cria, na verdade, duas oportunidades enormes nos segmentos mobile de O2O. A primeira é a adoção mais rápida de certos serviços no Brasil e na América Latina, quando comparados aos EUA. Sim, o mobile vai conquistar a construção de eficiência no setor de serviços nacional.

A segunda é que provavelmente veremos modelos que não funcionaram lá, funcionando por aqui. Imagine um modelo como o do instacart, no qual você pode usar um app para fazer compras de conveniência que são entregues em algumas horas. Quando analisamos as chamadas unit economics, percebemos que no Brasil elas podem ser melhores que nos EUA para este tipo de negócio. Os salários dos entregadores, por exemplo, são mais baixos aqui. As alternativas que um brasileiro tem ao não usar um serviço como esse também são piores às que um americano tem: o consumidor brasileiro possivelmente teria que percorrer mais quilômetros para encontrar o produto e, ainda, o intenso trânsito e o precário transporte público das grandes metrópoles nacionais seriam motivos derradeiros para ele pegar o seu celular e pedir, através de um app, que um entregador de bicicleta fizesse esse trabalho.

Não seria a primeira vez que um modelo que não deu certo nos EUA passaria a funcionar por aqui. Isso aconteceu no e-commerce, por exemplo, com o Buscapé, durante muitos anos representando uma grande fatia do comércio eletrônico nacional. E o modelo de comparação de preços nunca foi igualmente relevante em nenhum outro mercado de e-commerce, senão o brasileiro.

Assim, o chamado segmento do O2O que eu particularmente sempre intitulei de eServices, vai apostando em duas frentes para fazer a ruptura do setor de serviços: no aumento da conveniência para o consumidor (terceiro e mais importante vetor de escolha de um consumidor, depois de seleção e preço) e na criação de eficiência para a sua cadeia de valor.

Por esse motivo, empresas que se aproveitam desse empurrãozinho da ineficiência crescem mais de 50% ano após ano, muitas vezes impulsionadas pela crise. Isso já ocorre com iFood, em alimentação, MinutoSeguros, em seguros, Viajanet, em passagens aéreas, Nubank, com cartões de crédito, só para citar exemplos dos quais estou bem próximo (listo abaixo outros exemplos de eServices). Mas tenha certeza: isso vai acontecer também com seu encanador, sua babá e seu gerente de banco.




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